Seguidores

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

INDIGENTE



Indigente


O sol nascente
já acorda quente,
estala o asfalto
que o lambe,
assa a carne,
a carne casca,
e o mata
lenta
mente.

Sua sede
é de mais um trago
mais um gole
do feitiço amargo,
escape
pra vida frívola
falidos dias
de rua, miséria
exclusão, escuro,
solidão, ruína.

Seu corpo é imundo
seu hálito, álcool
o olhar, sem rumo
os andrajos, rasgados,
mal cobrem as partes
que se exibem, acres.

Na porta do shopping
ofende a sociedade
que passa por ele
tem nojo e pena
e pede, suplica
que ele seja mentira
que seja miragem
tudo, menos este soco no estômago
menos esta vil
realidade.

@Cristina Lebre - 06.12.14

Código em RL – T5073181

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

POEMA DE AMOR, VENCIDA A DOR



Poema de amor, vencida a dor



Chove lá fora;
cá dentro
deste chalé tão pequeno
a gente namora.

O som da chuva
é música de amor
e eu me amo
porque te amo!
Porque agora entendo
que no meio de tantos adendos
enfim o nosso amor fez história.

Na mata os grilos se agitam
é noite que adentra:
e eu sinto o amor verdadeiro
desfeitas as ilusões,
a farsa das dúbias paixões.

O amor real,
vindo do coração
de quem inteiro me aceita,
e ama cada uma de minhas estrias,
e vibra com minhas bobas alegrias,
e se realiza em me ver de perto,
e saber meu amor por ele
tão certo,
e me conhece, um lírio envolto
num grande campo de imperfeições.

Aquele que me acha a mais linda
que ama minha risada,
e beija cada uma
das minhas mãos brancas,
e me pega, e me aperta do nada
a cintura, e me enlaça,
e eu me sinto segura.

Que me diz que estou muito magra
mas mesmo assim me quer nua,
que abre a porta do carro,
e a tampa da garrafa d'água
e me empresta o casaco,
porque eu trouxe vários
mas o dele tem cheiro de homem
quente
e é o que me faz sentir mais potente.

Eu o amo na sua gentileza,
na sua bondade que me desconcerta,
na força máscula que ele usa pra levar a mala
enquanto eu levo apenas a bolsa
e a suposta fraqueza.

Amo a sua ternura e a proteção
a consciência de que sua condição de homem
tão somente é paralisada
diante da mulher há tanto tempo amada.

Tombo diante deste amor tão grande
amor escrito nas artes
amor que vence a dor
das saudades,
que espera, e não cansa
não desiste, não se despede,
insiste e, verdadeiro homem,
novamente se lança.

Estremeço ante esse amor sem medida
que dorme feito um menino
e acorda cuidando de tudo,
de mim, da água que cai do duto,
do ar que desarma
do beijo arteiro
que me entortou de um jeito
e me deixou o peito
inundado deste amor rendido,
e fez então de um tudo
e o trouxe de volta à vida.

Ele me dá bronca
menciona os remédios que esqueci de tomar
em suas manias de me cuidar
e dele também eu cuido
e de seus remédios o lembro
mesmo que ele, teimoso como todo homem maduro,
mas eterno resto de filho,
insista em dizer
que já está bom de tudo.

A chuva agora é garoa
os grilos cantam muito mais fortes,
é certo que o céu amanheça azul
e deste chalé, incrustado na mata, 
a gente sai pra um dia
de sol, amor
e caminhada.

Mãos dadas, divinos companheiros,
pedra por pedra, a gente pula,
se eu tropeçar ele me segura
se ele vacilar eu o sustento,
e amor nos guia
base dos nossos sentimentos,
alicerce em todos os momentos,
corações batendo
no ritmo exato,
a estrada percorrida
pelos dois, dia a dia,
compartilhada.

@Cristina Lebre - 08.11.14
Código em RL - T5034401

MM

Mãos




sábado, 25 de outubro de 2014

CHAFARIZ



CHAFARIZ

E se te ver de novo
fosse remido consolo
vida a pulsar?
Esperança de criança
da caverna da garganta
outra vez ecoar o grito
“amar...”

E se encontrar-te agora
fosse mais que rever o outrora
fosse ora real
o tempo final da tormenta
do viver-me em fonte de lágrimas
que borbulham
qual chafariz
fonte de mim
atriz?...

E se, lá por dentro,
desconstruída a velha história,
uma nova realidade
se abrisse em glória?

E se te amar de novo
fosse respirar no todo
re-viver
renascer o amor
sem dolo?

Ahhh, dentro teimoso
sentimento de idoso
cansado, renitente,
claudicante, insistente
em acordar
e tentar...

Ahhh, ilusão funesta,
só porque viu uma fresta
num olhar assim difuso
num sorriso assim turvo;
tudo não passa
de final de festa
vestido erguido,
sapatos largados,
pés libertos
no mar.

@Cristina Lebre
Código em RL – T5008720

sábado, 11 de outubro de 2014

DESIGUALDADE



DESIGUALDADE

A agonia que eu sinto é a de ver violência
o pó da estrada lambendo rostos murchos,
enrijecidos,
refugiados de disputas insanas.
O inconformismo com a mentira me rói os ossos
trinca os dentes,
sangue subindo e seguindo
o percurso de minhas entranhas,
lágrimas envidraçando os olhos.
A angústia que me traz a inveja,
a ganância, a ignorância
da recusa em constatar-se temporal,
do alienar-se quanto à efemeridade da vida,
da qual nenhum ser se livra,
leva-me a rasgar os andrajos
com que cubro meu corpo mortal,
a estapear-me o rosto,
a esconder minha mente em masmorras,
a consumir-me em dolos.
Ó, mundo imundo,
agacha-te e rende homenagem aos que estão no limbo,
inclina-te ao largado na sarjeta
invoca o amor
que encobre o pavor
do roto forasteiro.
Não somos mais do que carne podre
putrefata após a morte que a todos um dia leva
de nada adianta poder e posses
ao preço da fome dos pobres da guerra.
O que habita no meu dentro é a esperança
quando os ventos da compaixão acariciam minha face
ao vislumbre dos homens que se doam, sem detença,
pelo irmão doente, quebrado,
desenganado.
Enquanto tantos esquecem suas senhas
lacradas, incrustadas, mas infalíveis,
a minh’alma se tempera em devaneios de gozo
em cânticos de louvor
àquele que um dia volta, sim, sua volta tão esperada,
e que destruirá, em golpes duros e certeiros,
toda a maldade humana
todos os grilhões
da dor.


@Cristina Lebre
Código em RT - T 4982720

domingo, 14 de setembro de 2014

DESEJO



DESEJO


Acordou em querenças
como fêmea
lívida, úmida, transtornada
como o pólen se oferece ao pássaro
como o mar espera o mergulho certeiro
da gaivota.

Acordou enviesando a nuca
para seus sentidos nela bailarem
e jogando os cabelos para sua língua
percorrer-lhe o pescoço,
lambuzar-lhe o  dorso
de desejo.

Acordou diferente dos outros dias,
de um jeito quente
e insone de saudades,
em brasas vivas de vontades,
dele, somente.


@Cristina Lebre – 09.09.14
Código em RT – T4956016


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O CAIS





O CAIS

O cais está repleto de folhas vermelhas e mortas
folhas que anunciam o ar gelado do inverno.

Do cais vê-se um horizonte escarlate
de onde o sol se retirou,
não sem antes dominar o céu, em sua majestade,
e somente depois ceder lugar à noite rubra.

Naquele cais, vez por outra, os amantes se encontram
enternecidos sentam-se, lado a lado, em sua beirada,
dão-se as mãos, beijam-se apaixonados,
e aguardam o luar, quando o escuro se verte em luz tão branda quanto intensa,
e azuleja o cais...
os pés descalços, entregues à brisa,
se entrelaçam entre promessas e sonhos.

O cais guarda momentos,
ponte que se faz entre o rio e a estrada,
madeira talhada para ancorar barcos e segredos,
onde as folhas caem,
e o som surdo de suas livres quedas
arranjam as cantigas enamoradas.

No cais traçam-se planos
nas margens do rio pousam flamingos,
gaivotas,
que esperam o cair da tarde,
e o deitar dos corpos
molhados nas águas dos rios de amor
e de carinhos tremidos, prementes,
bramidos,
busca apavorada e inútil de virar um só.

O cais, o entorno, as folhas, o horizonte,
o ponto de encontro de um amor inesperado,
deliberado, desavisado,
que nele ganhou endereço certo
a exuberância de seu cenário.

@Cristina Lebre - 29.08.14
Código em RT - 4945761

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

FASES





Fases
pedaços da vida
e quanto mais vida,
milhares.

Capítulos de livros que,
radicalmente,
mudam assuntos,
roteiros,
enredos,
desfechos.

Fases
ventos por vezes
vorazes.
Filhos que partem
amores que morrem
fases que exigem
coragem.

Fases
pedaços da vida
peças de um jogo
que formam a história
de todo aquele
que por aqui passa,
personagem.

Há que se respeitar as fases
quem sabe sofrer,
em tantos momentos
ruir,
pensar em morrer
pedir pra partir
acordar, chorar, doer,
até passar uma fase,
e inaugurar outra,
vivê-la intensamente
novidades.

Fases,
descobertas, paixões,
felicidades;
tragédias,
perdas,
mudanças,
anos, minutos,
segundos,
milhagens.

Há que se enfrentar
e aceitar
as fases
e com elas fazer
as pazes.

Vida exata,
certeira,
mera poeira,
porque feita assim
pra você e pra mim
de fases.


@Cristina Lebre -13/07/14
Código em RT - T4883
614


sábado, 26 de julho de 2014

PRAGA





Praga
semana passada,
perda,
semana que passa
que passa batida
e já se anuncia
fechada.


                      Tempo
mudo que fala
que grita os segundos
que mente que para.


Entre a noite e o dia
se escancara,
tudo vem diferente
nunca se pretende
igual a nada.


                           Praga,
semana passada
semana que passa,
derrocada,
semana seguinte,
guerra,
sangue,
outra
intifada.


              Pássaros
revoada
voando passam
e de nossa vista
somem
somem somente
em uma piscada.

Tempo
que de nossas mãos
resvala
escorre
qual água.

Tempo,
sopra mais vida,
cresce a criança,
perpassa
as nuvens nos céus
mudando suas formas
no vento que venta
e cala.



                 Praga
semana passada
já vai longe o tempo
que de nós
a separa.

Repente
nada estridente
discreto.


              Tinhosa
a linha do tempo

passa,
parece
que nem se apercebe
e quando se vê
manhosa
fugiu,
fez que amanheceu
feneceu
queimou
apagou
fingiu que luziu
iludiu
virou breu.


@Cristina Lebre - 11.07.14
Código em RT - T4883610


quinta-feira, 10 de julho de 2014

BARRA DE CEREAIS





 BARRA DE CEREAIS



No corredor dos biscoitos light
das barras de cereais
absorta na procura das que gosto mais
ela disparou um "senti muitas saudades".

Meus olhos se voltaram pra ela
tão velozes quanto a fina rajada branca
que os aviões desenham quando cortam os céus.

"Aquele era um momento único", pensei
e larguei pra trás
as barras de cereais.
"Este é instante que não volta mais
motivo pelo qual a vida é tão bela:
o amor manifesto,
declarado,
o amor que jamais acaba."

Ali, numa tarde ensolarada e singela,
dentro de um supermercado,
que lugar inusitado,
uma cena de amor repleto, eterno,
acontecia,
transgredindo, com sua espantosa pureza,
a reles simplicidade da rotina.

Larguei tudo dentro do carrinho
biscoitos e barras de cereais,
e abracei apertado, esmagado, esmagando
a filha que tanto amo
entendendo que o melhor da vida
ocorre em instantes casuais.

"Também senti saudades"
disse a ela, as duas agarradas,
enquanto as pessoas pediam licença
para escolherem suas barras de cereais
e nem paravam pra ver melhor aquela cena
em que o amor se espalhava
por um supermercado, apinhado de gente
de gente ocupada, estressada, apressada,
mas também tão carente.

Nossas compras demoraram um pouco mais,
que importa?
Deus nos deu um carrinho cheio
de frutas, biscoitos e barras de cereais
e ainda nos deu muito mais
um instante poema
um instante quadro
um instante arte
um instante amor
um instante tão pleno
um rápido instante
gordo de vida
recheio de biscoito doce
olhos nos olhos molhados
vozes amenas
saudades agora mortas
felicidades.



@Cristina Lebre - 06.07.14
Código em RT – T4876131